Pelo prazer de ter escrito (sobre o ofício de escritor)
Ronaldo Magella 06/10/2015
Ronaldo Magella 06/10/2015
Não gosto, nem sou de elogios, acho que são dispensáveis, o prazer e a alegria, assim como a felicidade, estar em fazer, em sentir o que se faz, e não em receber a aclamação dos outros, as palavras muitas vezes são vazias e interesseiras.
Gosto de escrever e na escrita me encontro, gosto de ler e lendo completo-me.
Como disse certa vez Chico Buarque, não gosto de escrever, mas gosto de ter escrito, ou seja, é o realizar para si mesmo, para se sentir bem, o prazer de ter feito ou realizado algo na vida, de ter tornado a própria vida produtiva e especial.
J. D. Salinger, autor do clássico O Apanhador no Campo de Centeio, passou mais de 40 anos recluso, sem falar com a imprensa e sem publicar nada e disse em entrevista, “adoro, amo escrever. Mas só para mim. Publicar é uma coisa perversa demais. ... Não publicar me dá uma indescritível paz de espírito, uma sensação de bem-estar. ...”.
Salinger não estava atrás de elogios ou aplausos, mas de se sentir bem consigo mesmo.
O elogio nos corrompe e não dá a doce ilusão que bastamos e somos especiais, quem se embriaga no cálice das palavras alheias pode não só ficar bêbado, mas morrer sufocado em sua própria vaidade.
Outra razão para não aceitar elogios é saber que por mais que façamos, por mais que trabalhemos, ainda e mesmo assim, será pouco, sempre poderemos fazer mais e melhor, sempre haverá alguém melhor do que nós e que seremos apenas parte do processo não o todo.
Todo escritor é um perfeccionista incurável.
Toda pessoa elogiada, se for consciente de si e da vida, ficará sem jeito e não aceitará as palavras devotadas, pois saberá suas limitações, suas dificuldades, seus problemas, e assim saberá que as palavras a si proferidas nem sempre refletem a sua própria realidade, que será de busca, de aprimoramento, de evolução constante do que faz e do que é.
Não é humildade, é consciência.
Quem precisa de elogio é quem não se gosta ou não tem consciência de si mesmo e/ou do que faz.
Pessoas que se pensam e refletem sobre a própria vida sabem quando são brilhantes e sabem quando são medíocres, sabem quando erram e sabem quando fazem algo de bom e útil, mas aqueles que não se conhecem e não tomam consciência de si mesmo e da vida, estão sempre ávidos por palavras externas, de gente lhes insufle o ânimo e lhes envaideçam a personalidade.
Como disse no início, nem gosto de elogiar, nem gosto de elogios, gosto de conversar, de debater, de refletir junto às pessoas, e se alguém me desperta a atenção, se tenho gosto pelo trabalho de alguém, gosto mais de tirar dúvidas, de perguntar como acontece o seu processo, do que apenas chegar e dizer, parabéns, lindo, você é demais, isso não ajuda muito, nem traz contribuição alguma.
Já tenho me acostumado com o silêncio, tanto, que até me assusto com os risos.
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