Hoje sei viver sem
você...
Ronaldo Magella
A noite caiu. Dois volumes a mesa, um
ser, um copo cheio, um prato vazio, uma lembrança que tarda a passar, imagem
que custa a morrer, amor que vive pra sempre. O telefone não toca, o tempo
passa, espero, crio e invento, desculpas, argumentos inúteis para aplacar a
dor, a ânsia, o medo, o frio. Espero. Casa vazia, tempo triste, horas amargas.
Sozinho, aflito, sereno. A televisão fala. Um gato, cachorro não geme. Uma boca
séria, muda, inerte, um sorriso mudo, uma dor aguda, um lugar cheio de
saudades, vazio de mim, colorido de sonhos, carente de esperanças, cheio de
você. “Aprendi a te amar sem receber nada em troca além de você”, diz a letra
triste de uma canção feliz que toca na rua em algum lugar lá fora. O tempo corre
célere pra vida, devagar pra mim aqui nesta espera por nada de tudo. Quanto
tempo? Há muito tempo não me ouço, só o
teu barulho me consome, o barulho da tua ausência. A noite avança, a esperança
esvai-se, a realidade bate, toca, violenta, transforma, avisa, esclarece.
Inaceitável. Inevitável. Tristeza é estado, solidão é posse, amiga,
companheira, o dia longo, distante, dentro de mim demora a raiar, é noite
ainda, infinita, lentamente deixa cair. Vazio sinto, esse, “hoje eu sei, esse
vazio em mim é teu”, diz a música que ainda toca lá em algum lugar, talvez na
tua companhia. Tudo passa, passa e fica, fica e morre, morre e faz morrer, faz
em mim o que um dia fiz a você, deixa outra presença. Livre, liberdade,
caminhos, direções, canções, sonhos, planos, prisão sem fim, tormento íntimo,
solidão que sufoca e ilusão que maltrata, realidade que destrói. Procuro por
você dentro da minha liberdade, não te encontro na minha cela, nas paredes da
minha cadeia, no cárcere da realidade na qual vivo. “Não que você seja
diferente, é que ninguém é igual a você”, me lembra a canção que repito na
mente seguidamente. Suspiro. Uma lágrima quente cai, rola pelo corpo, escorre
pelo chão, morre, como morro aos poucos dentro de mim desde o dia que me dei
conta que a vida era você, viver era estar com você, e hoje eu morro sem você,
por um dia não ter aprendido a viver com você.
“Aprendi a te amar sem te ter e hoje sei viver sem você”, termina minha
canção. É loucura, você vai embora, me leva, fico, estou aqui com você dentro
de mim. Você não está comigo e vivo das lembranças que me consomem a cada dia,
em todo rosto, no amanhã que chegará, no ontem que passou, no hoje que finjo
viver. E vivo.
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