quinta-feira, 16 de junho de 2016

O corpo nosso de cada dia

O corpo nosso de cada dia

Ronaldo Magella – jornalista, escritor, professor
16/06/2016

Basta assistir aos velhos filmes, de décadas passadas, para perceber que havia muita roupa, antes, e pouco corpo, agora, depois, é o contrário, há pouca roupa a se mostrar e muito corpo a se exibir.

Vivemos a era dos corpos, da imagem, da aparência, do espetáculo, da ostentação, da exibição, o fim do intelecto, do conteúdo, o desperdício da essência, a exaltação do sexo, a extinção dos relacionamentos.

Sim, os relacionamentos estão mortos, uma vez que são os corpos que se atraem, não as almas, na atualidade o que nos desperta em alguém é aquilo que se vê e não mais aquilo que se sente, enquanto as almas amadurecem, os corpos envelhecem, e com eles a nossa simpatia, e assim nos dispersamos, em busca de nossas sensações físicas e não de emoções psicológicas que só interior de uma pessoa pode nos oferecer.

Como querem nos analistas do discurso ou seguidores do filósofo francês Michel Foucault, o nascimento do corpo ou a sua narrativa ganha destaque a nossa sociedade moderna contemporânea, deixamos de admirar as pessoas e passamos a cultuar imagens.

Não nos apaixonamos mais pelo outro, mas pela sua figura, pelo seu avatar numa rede social, por algo que ela não é, mas por aquilo que ela aparenta ser, imagem agora é tudo.

É possível que talvez a origem, pra ficarmos nos nossos tempos, sem recuarmos a Grécia antiga, dessa epopeia cultural corpórea tenha nascimento na década de 60, sim, sempre lá, e ganhou força com a emancipação feminina.

 Temos que se lembrar de Leila Diniz fotografada grávida de biquíni na Praia de Ipanema no Rio de Janeiro, e não podemos esquecer-nos dos concursos de miss universo, dos desfiles de modas e da consagração com as redes sociais, acontecimentos marcantes, geradores de força para uma mudança de paradigma. 

O corpo em nossa sociedade ganhou status de troféu, cartão de visitas, a beleza é nossa marca registrada, se a Arte tinha no grotesco algo belo, no feio algo divino, vejam os filmes de terror, em nossa sociedade atual ser feio é sinônimo de fracasso. 

Fazemos de tudo para conservar a nossa beleza, juventude, não valoramos mais a maturidade, a sabedoria, a experiência, a importância de alguém agora se mede pelo quadro que o seu corpo pode apresentar e despertar.

Se pensarmos nos comentários das redes sociais, quando alguém expõe ou publica uma foto, “top, linda, arrasa, gata, gostosa, delícia, perfeita”, vamos entender do que estamos a vivenciar nesse momento no mundo atual.
Um cenários desolador.

Quando deixamos de alimentar a nossa mente, o nosso intelecto, a nossa alma, e passamos a glorificar a nossa imagem, lotamos academias e esvaziamos bibliotecas, elegemos o novo padrão social, da plástica em detrimento dos valores essenciais da criatura humana, o saber, o conhecimento. 

São plásticas, regimes, academias, receitas, dicas de guarda-roupa, combinações as mais variadas e diversas, tudo para agradarmos aos olhos de quem nos vê, para sairmos melhor na fotografia, sermos melhores apreciados pela plateia anônima a qual nos apresentamos todos os dias via redes sociais.

A nossa preocupação é tanto e tão excessiva que nos dispomos a tirar dezenas de fotos todos os dias para aproveitarmos a aquela que melhor tenha ficado para nos representar nos meios digitais, afinal, não podemos aparentar ângulos ruins ou piores.

Cultuamos os nossos corpos, em nossa época superficial e carente de afetos, como um novo Deus, alimentamos a nossa imagem como algo sagrado e intocado, cada foto nova nossa, um altar, cada curtida, uma prece, todo comentário, uma promessa, e o aumento da nossa crença de que estamos fazendo a nossa coisa num mundo cada vez mais incerto de valores e identidade.

Acreditamos mais nos corpos do que nas pessoas, ocupamos nosso tempo para modelar a nossa aparência e esvaziamos o nosso interior, nos dedicamos ao passageiro e efêmero e negamos o eterno, permanente.

São temos líquidos, sem duração, tempos frios, sem afeto, sem segurança, tempos sem poesia, sem graça, mas cheios de gargalhadas.


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