Vou tomar minha solidão
Ronaldo Magella – professor, poeta, escritor,
blogueiro, radialista, jornalista e mais nada (07-01-1014)
Vou tomar minha solidão, em doses
curtas, em goles rápidos e findos, deitar-me quieta esperando o tempo passar,
deixar o dia fluir, a hora correr, vou pensar no teto e olhar para vida,
sozinha, vou me abraçar, estar comigo, olhar-me no espelho e até me achar
bonito, sorrir pra mim, escolher minha melhor fantasia, criar uma ilusão, sair
pela cidade, viver esquinas, parar em ruas, correr praças, subir ladeiras,
descer escadas.
Vou viver minha solidão, tomá-la
de assalto para mim, vou sozinha pra qualquer lugar e lá ficar, só, vou parar
sozinha em qualquer lugar, cantar a minha música, ficar absorta, lépida, perfeita,
só a solidão é perfeita, por ser tudo o que se possa ser, vou criar o meu
planeta, a minha galáxia, o meu lugar de sozinho, minha paz de guerra, minha
guerra de paz.
Ah, minha solidão, amiga, companheira
e irmã, namorada, filha, pai e mãe, cicatriz, lembrança, minha vida, evocas o
meu vazio, carrega minhas saudades, suporta meus vícios, transforma minha
mansidão. Vou tomar minha solidão, tomar pra mim, o que tenho de melhor,
pensamentos sombrios, desejos sóbrios, tempos intermináveis, vidas cruzadas,
alma despida de todas as cores.
Vou tomar minha solidão, como meu
lugar, meu livro, meu filme, o filme da minha, com minha presença garantida,
com o mesmo público de sempre, com os mesmos cenários, olho em volta, é sempre
igual, outro rio, mesmas águas, outra praia, mesmo mar, outra cara, mesmo
sentimento, sempre a minha solidão, afogo-me, morro, mas continuo vivo, solidão
é isso, é morrer um pouco de mim, em mim e mesmo assim ainda existir para sentir
a dor universal do criador.
A solidão é quem me toma, pensei
melhor, me abraça e me beija, me cansa, me instiga, me come e me dorme, me
acorda e me faz sonhar, solidão, ah, solidão, solidão, solidão, é sempre o
mesmo clichê, a velha máxima de não mais me aguentar, de precisar de outrem
para que esse possa me levar, puxar, pois já não consigo mais me carregar, não
tenho mais forças para me ter, preciso que alguém me ouça as palavras, vele meu
sono, coma ao meu lado, respire meu cheio, beba da minha vida, me tenha em seus
planos, desejos e projetos, e sofro, carente de outrem, cheio de mim, enfadado
com a minha solidão, que não me deixa, não parte, não desiste de mim, continua
sempre a me sorrir, acena, esperando o meu instante de desespero, a minha
renúncia, o meu desgaste.
Mas não desisto, vou tomar minha
solidão, como sedento em busca de um cálice de vinho, de um gole de água, tomá-la-ei
com a toda minha sede e sentirei alegria, vou até o fundo do copo, se um copo
existir e um fundo para chegar houver pra ir, pedirei outra dose, mais uma, até
me embriagar de mim mesmo e como todo bêbado quero esquecer de tudo o que fiz,
falei, sem memória, e sem solidão.
- Nossa que belo.
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