Poesias



O CERTO, O ERRADO E O RESTO
Ronaldo Magella 13/07/2010

“Tem o certo, o errado, e tem todo o resto”, essa frase é atribuída ao ex-cantor e compositor Cazuza, pelo menos está lá no filme Cazuza. O certo a gente sabe o que é e o que é errado também, são conhecimentos, informações, padrões, os modelos, as convenções, as regras, os discursos, mas viver mesmo, a gente vive o resto. Não tem como negar isso. A gente não faz o certo, nem o errado, vive o resto, vive como pode, não como deve, vive como a vida nos permite e como nossas possibilidades nos ensejam, como podemos viver e sorrir, mas também chorar.  O certo mesmo seria assim, mas é errado mesmo fazer aquilo, no final, acabamos fazendo o resto. O que nos sobra, o que nos é permitido, o que temos condições de viver. A gente não pode reclamar, dizem, mas a gente reclama, a gente não pode chorar, mas a gente chora, a gente não pode isso, aquilo, assim, assado, mas a gente faz. É certo? Não. É errado? Não. É o resto. O certo é uma prisão, a disciplina, o controle, a liberdade, o errado é libertinagem, o descontrole, a falta de valores, mas estamos entre um e outro, e no final ficamos com o resto.
Não queremos o controle total, nem queremos o descontrole, mas a gente perde aqui e ali a cabeça, deixa-se envolver pelas emoções, não pensa direito, não raciocina, erra, chora, volta atrás, se arrepende, recomeça, ficamos sempre nesse ir e vir, ou seja, ficamos não com o podemos e devemos, ficamos o resto disso. Não pode isso, nem deve aquilo, mas a gente faz. Não podemos mentir, mas aqui e ali a gente diz algo que num é assim, digamos, tão real, verdadeiro, são as mentiras sinceras, é o resto.  O resto é o que vivemos, correndo pelas beiradas, tentando sobreviver, inventando todo dia um motivo para seguir vivendo, criando sonhos, esquecendo da realidade, fugindo de si mesmo, escapando das vontades, sufocando os desejos, trabalhando os conflitos. Se o errado não vivemos, o certo mesmo, tenho certeza, estamos longe de conseguir colocar em prática, ficamos então, com o resto. E o que é o resto? Somos nós, nossas escolhas, nossos impulsos, nossos sentimentos, tudo aquilo que colocamos como bode expiatório para não imputarmos o certo, mas também para não deslizarmos pelo errado. A verdade é, vivendo no resto, estamos sempre flertando o certo e nos escondendo do errado. Queremos acertar, fechamos os olhos, os ouvidos e a mente para o errado; sonhamos com o certo, mas nem sempre conseguimos mesmo evitar o errado, mas não o tão errado, digamos, o certo em realidade. A gente prega uma coisa, pensa em outra e faz tudo ao contrário, por que isso? Porque tem o resto. O resto é nosso contexto, as nossas particularidades, os talvezes da vida, os “se”, os atenuantes e os agravantes, os “não você não me conhece”, “não sabe a história toda”, o resto são os detalhes que nos impedem de fazer o errado, mas nos afastam do certo.  O certo foi o que a gente sonhou um dia, o errado é o que não deu certo para realizarmos esse sonho e o resto é o que vivemos agora. O resto é a vida. 

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