O silêncio que me devora
Ronaldo Magella – jornalista, professor, poeta,
escritor, publicou 3 livros -
Quando alguém próximo a nós morre, ou
vai embora, sempre ficamos com aquela sensação de que poderíamos ter dito tanta
coisa, poderíamos ter evitado tantas brigas, silenciado tantas palavras,
realizados tantos carinhos e afetos, mas agora não é mais possível, o nosso
orgulho não nos deixou ser ou dizer o que deveríamos e agora choramos, não pela
perda, mas pelo remorso que nos corrói o coração, o vazio que deixamos de
preencher agora não pode mais ser realizado.
Por que esse medo de dizer e fazer o
que sentimos? O que nos impele a sufocar as nossas palavras, sentimentos,
ações, afetos? Orgulho, medo, vaidade, imaturidade ou todas as coisas juntas?
Orgulho de demonstrar a nossa sensibilidade, medo da rejeição, da
incompreensão, de não ser retribuído da mesma forma, vaidade, ao nos calarmos,
nos mostramos superior ao outro, o outro que diga que nos ama, mas nós, nunca
que iremos fazer isso, não somos dados a sentimentalismos, somos arrogantes
demais para nos mostramos humanos, o que demonstra a nossa imaturidade, pois
deixamos de viver. E humanos somos de qualquer forma, morremos.
Nós preferimos calar e não viver.
Roberto Carlos, em sua canção Emoções, canta, “se chorei ou se sorrir, o
importante é que emoções eu vivi”, pois só se existe quem sente, quem pulsa,
quem se afeta, quem chora, rir, ama, perde e ganha. Para certas filosofias
orientais o que importa não é a letra, como escreveu Paulo em suas cartas no
Novo Testamento, que mata, mas a experiência, o espírito, o sentimento o que
vivifica, que podemos viver através do que sentimos.
Já faz algum tempo que adotei em
minhas relações afetivas o seguinte critério, dizer o que sinto e penso, o que
a outra pessoa irá fazer com as minhas palavras, já não é problema meu, pois de
amor não morrei, mas posso ter algum trauma por não ter dito e sido o que quis
ser, por sufocar o que estava a sentir, pensar. Já perdi muito tempo da minha
vida com arrogância e nesse jogo infantil de superioridade barata, depois,
quando o tempo passa, vem a sensação de que se poderia ter vivido melhor, e daí
dizer eu te amo, estou com saudade, quero você comigo, preciso de você? Qual o
problema? Medo? De que se sentimos? Sufocar o que sentimos, calar o que
sentimos para outra pessoa e carregar dentro de nós?
Ainda ontem disse a alguém o quanto gostava dela, ela não respondeu, não emitiu nenhum sinal de volta, sem problemas, fiz o que devia ter feito, o tempo vai passar, ela vai perceber que fez o melhor ou que poderia ter sido diferente. Até entendo os seus motivos, delas, mas também entendo que a vida não é apenas um momento, um não, um sim, mas o passado, o presente e o futuro, não podemos deixar de viver por questões que podem ser resolvidas, e sim, todas elas podem ser, mas quando queremos, quando não, deixamos então de viver o que poderíamos.
Outro dia uma amiga me disse, luto
todo dia para não ser como sou, indiferente, egoísta, vejo que isso não me faz
bem, não consigo sentimentalizar as coisas, ser afetuosa, até tenho tentado,
mas é muito difícil ser sensível, me abrir, deixar acontecer o que sinto, e
isso não me faz bem, já percebi isso, estou deixando de viver por conta deste
bloqueio as melhores coisas da minha vida.
Não
precisamos de nenhum livro para saber que vive melhor quem sabe sorrir, amar, quem
se entregar o outro, a vida, ao amor, quem sabe ter equilíbrio em seus
sentimentos, quem sabe dosar suas palavras, ser meigo, afetuoso, quem se deixa
sentir e aproveitar as coisas que a vida pode oferecer.
Quando
mais jovem, na adolescência, sempre me fazia de difícil, esperava que fosse
chamado mais de uma vez, que fosse paparicado, até que um dia as pessoas
resolveram me chamar apenas uma vez, foi aí que senti o impacto, se ele quiser
ir, o convite está feito, foi aí que resolvi deixar de melindre e passei a
aderir aos convites logo de cara. Percebi que quem que estava deixando de viver
era eu, não as outras pessoas.
A
vida é muito curta para termos medo de viver, e deixamos de viver por medo, o
que é pior. Eu te amo, o sentimento é meu, ninguém pode nos impedir de amar, a
pessoa pode não querer se relacionar conosco, mas não pode nos impedir de
sentir. É bem verdade que o nosso sentimento ainda é possessivo e egoísta, não
sabemos amar por amar, mas amar pra ter e por isso sofremos, pois ninguém é de
ninguém, as pessoas são livres.
Meu
medo hoje não é de dizer o que sinto, mas de não sentir. Não tenho medo de
falar, tenho medo de não ter o que dizer, a quem falar. A melhor coisa do mundo
é gostar, feliz de quem ama e sente isso dentro si, um gostar por gostar, um
sentir por prazer, um sentimento espontâneo, intenso e forte.
Como
cantou Fagner, “só uma coisa me entristece, o beijo que não roubei, a jura
secreta que não fiz, a briga de amor que não casei, nada do que posso me alucina,
tanto quanto o que não fiz, só uma me devora aquela que meu coração não diz, só
o que me cega, o que me faz infeliz, é o brilho no olhar que eu não sofri”
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