quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Filosofia de um dia

Filosofia de um dia

Ronaldo Magella (jornalista)

 Guardo comigo uma carta, está em meu bolso, junto, perto, sempre a espera, na espreita de que possa sair e ser entregue a quem de direito pertencer. 

São palavras suadas e quentes, cravadas no papel, sujas de tintas, rabiscadas pelo pensamento, pretas e brancas, minha carta é minha, mas não me pertencem, veio de mim, está em mim, mas não ficará comigo, deverá seguir o seu destino, mesmo que o seu caminho seja triste, indiferente e trágico, como todo amor sincero e puro. 

Verdade, devo saber e reconhecer que, as palavras ou os sentimentos pouco importam, mas quem os carrega, quem os vive, quem experiencia, quem os transforma dentro de si os entrega ao mundo como um extensão de si, num ato de coragem e força, pelo esforço que faz para mostrar-se como é e o que sente dentro por dentro, no torvelinho das emoções humanas, mesmo que muitas vezes seja em vão tal ato de bravura, pois não se vive da pureza das emoções de um coração solitário, mas da beleza de um corpo enxuto e magro, de uma cara linda e de uns olhos claros numa tez branca. 

O que os olhos não podem gostar e olhar o coração pouco poderá sentir e entender. 

Comemos com os olhos, amamos com os olhos, sofremos com os olhos, vivemos mais com o que podemos ver do que com o que podemos sentir. 

Vivemos numa sociedade em que parecer é mais importante do que ser, aparentar, apresentar, demonstrar é mais interessante do que ser e viver o que se sente.

Vivemos mais o que gostaríamos de sentir do que propriamente o que sentimos, por isso sou triste e sozinho, não é solidão de gentes, mas de sentimentos e emoções, de sempre saber que nunca se está no lugar certo. 

A gente quer sempre se mostrar feliz, se mostrar bem, melhor, saudável, por isso o choro em nossa sociedade é algo não aceito, a gente não quer ou não deixa as pessoas chorarem, proibimos as lágrimas, coibimos o choro, pois temos que aparentar alegria e safistação, mesmo que não estejamos como nos apresentamos. 

É um mundo de imagens, não de sentimentos. 

Não simpatizamos com amor do amor que outro está a nutrir ou a sentir, ou sofrer, não temos essa sensibilidade, ainda somos grosseiros e materialistas. em nossa sociedade narcísica e física, e o amor está no belo, não sem si mesmo, no seu conteúdo, mas no suporte. 

Pouco nos importamos com quem se nos diz amar, isso de nada vale, o sentimento, as emoções, agregamos o sentir ao aparentar e ter, queremos o amor, mas não qualquer amor, queremos amor rico, bonito, belo, famoso, cheiroso, o amor cheio de coisas, de valores outros que não o sentimento em si mesmo, mas algo que possamos ostentar como amor, pois não importa a mensagem, mas o portador, o suporte, a placa que contém o aviso, a mensagem de nada vale, mas o envelope que a guarda. 

Todos nós corremos atrás dos belos, como se os feios não tivesse o que sentir ou como sentir. Porque vivemos numa sociedade de exclusão, não somos seres humanos, somos jornalistas, atores, políticos, ricos e pobres, a nossa humanidade há muito deixou de ser e existir, somos o que podemos ostentar. 

Se um ser humano morre, pouco nos importamos, mas se morre um modelo, um ator, um artista, um famoso, um rico, o mundo se comove, quanta hipocrisia. Deixamos assim a nossa humanização e passamos a ter importância dentro dos títulos que erguemos, que alçamos como troféus. 

O amor não está no lixo ou na lama fétida, mas como dizem, mesmo ali, é preciso observar a flor que desabrocha e a beleza que nutre a paisagem, a cor que muda o cenário. Mas tudo isto é apenas a filosofia de um dia.

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