quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Queria ser só, mas sozinho de mim não posso ser

Queria ser só, mas sozinho de mim não posso ser

Ronaldo Magella – professor, poeta, escritor, blogueiro, radialista, jornalista e mais nada (15-01-1014)


Queria ser só, sozinho, solitário, como uma pedra, sem cheiro, sabor, igual estrela admirada, mas intocável, sozinho como um cometa, passante, viajante, só como uma ilha, quimera dos amantes, ilusão dos tolos, queria ser solitário, como um livro fechado, como um objeto velho abandonado, como um calendário do ano passado, mas não sou, sozinho jamais fico, consigo estar.

Repleto de cheiros, aromes, sabores e perfumes, transbordo de cenas, imagens e vidas outras vividas, carregado de arrepios, de ilusões, do gosto da vida, de outras pessoas, de cenas de cinema e refrão de canções, de melodias e tempos passados distantes, mas pulsantes dentro de mim.

Sempre cheio das dores e alegrias, dos momentos, das horas, dos dias, dos tempos, de mim mesmo, nem de mim consigo me livrar, deveria existir um lugar onde a gente pudesse se guardar e pegar no outro dia, talvez na geladeira, no armário, debaixo da cama, em qualquer lugar, desde que a gente pudesse ser livre e sozinho de si mesmo, se abandonar por uns instantes, se deixar para lá para viver outro ser, outra coisa, outra vida, mas a gente não consegue, não temos essa solidão.

E é essa solidão que anseio, pouco dela tenho, estou sempre acompanhado, segue comigo, sem nunca me deixar, minhas saudades, as lembranças de outrora, o amor de uma vida inteira, a paixão pelas coisas, o desejo da vida, o vício de sentir, a ânsia de provar, o medo de não ter, a lutar por seguir.

Queria ser só, mas não, não me curo dos beijos que um dia provei, dos abraços de ontem, das palavras de carinho, dos olhares de ternura, das mãos entrelaçadas, dos suspiros de prazer, das gargalhar de loucuras, dos encontros esperados, inesperados, das lágrimas vertidas, da raiva incontida, dos erros não superados, dos arrependimentos tardios, da imaturidade reinante, da minha carência afetiva.

Como desejaria uma solidão profunda, como das nuvens, paradas no alto, esperando uma definição de quem as olha, vê, mas careço de ser sozinho, me define já meus sentimentos, meus dias vividos, minha história de até aqui, minhas ideias, meu mundo, minha vida presa em mim como marca de nascença, como sinal de presença, meus sonhos de futuro, minha tragédia do presente, minha doença do passado, não consigo ser sozinho, não tenho como sair da vida que nasci pra viver e até aqui me arrastei por não saber como ser.

Solidão, talvez dos outros, mas nunca, jamais de mim, sou sozinho, pois ninguém poderá jamais sentir o que sinto, penso, viver o que vivo, mas nunca também poderia me livrar da minha essência, do conteúdo que me domina, do corpo que me abriga, dos sonhos que me incitam, das indiferenças sentidas, da alma que me domina.

Queria ser só, mas não posso, e sozinho já vou para onde ninguém mais quer ir, viver a minha solidão acompanhada da minha vida.


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